domingo, 14 de novembro de 2010

Mulher Perdigueira


Recomendamos: Fabrício Carpinejar!


Meus amigos reclamam quando suas namoradas o perseguem. Lamentam o barraco do ciúme, a insistência dos telefonemas para falarem praticamente nada, o cerceamento dos horários.

Sempre as mesmas tramas de tolhimento da liberdade, que todos concordam e soltam gargalhadas buscando um refúgio para respirar.

Eu me faço de surdo.

Fico com vontade de pedir emprestada a chave da prisão para passar o domingo. Acho o controle comovente. Invejável.

Não sou favorável à indiferença, à independência, ao casamento sartreano. Fui criado para fazer um puxadinho, agregar família, reunir dissidentes, explodir em verdades. Duas casas diferentes já é viagem, não me serve.

Aspiro ao casamento pirandelliano, um à procura permanente do outro. Sou um totalitário na paixão. Um tirano. Um ditador. Não me dê poder que escravizo. Não me dê espaço que cultivo. Não me eleja democraticamente que mudo a constituição e emendo os mandatos.

Quero uma mulher perdigueira, possessiva, que me ligue a cada quinze minutos para contar de uma ideia ou de uma nova invenção para salvar as finanças, quero uma mulher que ame meus amigos e odeie qualquer amiga que se aproxime. Que arda de ciúme imaginário para prevenir o que nem aconteceu. Que seja escandalosa na briga e me amaldiçoe se abandoná-la. Que faça trabalhos em terreiro para me assustar e me banhe de noite com o sal grosso de sua nudez. Que feche meu corpo quando sair de casa, que descosture meu corpo quando voltar. Que brigue pelo meu excesso de compromissos, que me fale barbaridades sob pressão e ternuras delicadíssimas ao despertar. Que peça desculpa depois do desespero e me beije chorando.

A mulher que ninguém quer, eu quero. Contraditória, incoerente, descabida. Que me envergonhe para respeitá-la. Que me reconheça para nos fortalecer.

A mulher que não sabe amar recuando e não tolera que eu ame atrasado. Que parcele em dez vezes seu dia, que não pague a conversa à vista na hora do jantar, que não junte suas notícias para contar de noite como um relatório. Admiro os bocados, as porções, as ninharias. Alegria pequena e preciosa de respirar rente ao seu nariz e definir com que roupa vou ao serviço.

O amor é uma comissão de inquérito, é abrir as contas, é grampear o telefone, é cheirar as camisas. É também o perdão, não conseguir dormir sem fazer as pazes.

O amor é cobrança, dor-de-cotovelo, não aceitar uma vida pela metade, não confundi-la com segurança. Exigir mais vontade quando ela se ofereceu inteira. Enlouquecê-la para pentear seus cabelos antes do vento. Enervá-la para que diga que não a entende. E entender menos e precisar mais.

Quem aspira ao conforto que se conserve solteiro. Eu me entrego para dependência. Não há nada mais agradável do que misturar os defeitos com as virtudes e perder as contas na partilha.

Não há nada mais valioso do que trabalhar integralmente para uma história. Não raciocinar outra coisa senão cortejá-la: avisá-la para espiar a lua cheia, recordar do varal quando começa a chover, decorar uma música para surpreendê-la, sublinhar uma frase para guardá-la.

Sou doido, mas doido varrido. Bem limpo. Aprendi a usar furadeira e agora entro fácil em parafuso. Quero uma mulher imatura, que possa adoecer e se recuperar do meu lado. Uma mulher que me provoque quando não estou a fim. Que dance em minhas costas para me reconciliar com o passado. Que me acalme quando estou no fim do filtro. Que me emagreça de ofensas.

Não me interessa um tempo comigo quando posso dividir a eternidade com alguém.

Quero uma mulher que esqueça o nome de seu pai e de sua mãe para nascer em meus olhos. Em todo momento. A toda hora. Incansavelmente. E que eu esteja apaixonado para nunca desmerecê-la, que esteja apaixonado para não diminuí-la aos amigos.

Doidas e Santas


Pedindo desculpas pela ausência, tentando nos redimir por meio desta preciosidade de Martha Medeiros (da qual somos fãs assumidas.)


Estou no começo do meu desespero e só vejo dois caminhos: ou viro doida ou santa.
" São versos de Adélia Prado, retirados do poema "A serenata".
Ele narra a inquietude de uma mulher que imagina que mais cedo ou mais tarde um homem virá arrebatá-la,
logo ela que está envelhecendo e está tomada pela indecisão
– não sabe como receber um novo amor não dispondo mais de juventude.
E encerra: "De que modo vou abrir a janela, se não for doida? Como a fecharei, se não for santa?"
Adélia é uma poeta danada de boa.
E perspicaz.
Como pode uma mulher buscar uma definição exata para si mesma estando em plena meia-idade,
depois de já ter trilhado uma longa estrada,
onde encontrou alegrias e desilusões, e tendo ainda mais estrada pela frente?
Se ela tiver coragem de passar por mais alegrias e desilusões
– e a gente sabe como as desilusões devastam - ,
terá que ser meio doida.
Se preferir se abster de emoções fortes e apaziguar seu coração, então a santidade é a opção.
Eu nem preciso dizer o que penso sobre isso, preciso?
Mas vamos lá. Pra começo de conversa, não acredito que haja uma única mulher no mundo que seja santa.
Os marmanjos devem estar de cabelo em pé: como assim, e a minha mãe???
Nem ela caríssimos, nem ela.
Existe mulher cansada, que é outra coisa.
Ela deu tanto azar em suas relações que desanimou.
Ela ficou tão sem dinheiro de uns tempos pra cá que deixou de ter vaidade.
Ela perdeu tanto a fé em dias melhores que passou a se contentar com dias medíocres.
Guardou sua loucura em alguma gaveta e nem lembra mais.
Santa, mesmo, só Nossa Senhora, mas, cá entre nós, não é uma doideira o modo como ela engravidou?
(Não se escandalize, não me mande e-mails, estou brin-can-do.)
Toda mulher é doida. Impossível não ser.
A gente nasce com um dispositivo interno que nos informa desde cedo que, sem amor,
a vida não vale a pena ser vivida, e dá-lhe usar nosso poder de sedução para encontrar the big one,
aquele que será inteligente, másculo, se importará com nossos sentimentos e não nos deixará na mão jamais.
Uma tarefa que dá para ocupar uma vida, não é mesmo?
Mas além disso temos que ser independentes, bonitas, ter filhos e fingir de vez em quando que somos santas,
ajuizadas, responsáveis, e que nunca, mas nunca,
pensaremos em jogar tudo pro alto e embarcar num navio pirata comandado pelo Johnny Depp,
ou então virar louca e cafetina, ou sei lá, diga aí uma fantasia secreta,
sua imaginação deve ser melhor que a minha.
Eu só conheço mulher louca.
Pense em qualquer uma que você conhece e me diga se ela não tem ao menos três dessas qualificações:
exagerada, dramática, verborrágica, maníaca, fantasiosa, apaixonada, delirante.
Pois então. Também é louca. E fascina a todos.
Todas as mulheres estão dispostas a abrir a janela, não importa a idade que tenham.
Nossa insanidade tem nome: chama-se Vontade de Viver até a Última Gota.
Só as cansadas é que se recusam a levantar da cadeira para ver quem está chamando lá fora.
E santa, fica combinado, não existe.
Uma mulher que só reze, que tenha desistido dos prazeres da inquietude, que não deseje mais nada?
Você vai concordar comigo: só se for louca de pedra.
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