quarta-feira, 24 de março de 2010


Por falta de tempo não temos conseguido escrever.
Acabamos dando prioridade pra outras coisas, até mesmo pra leitura e a escrita está ficando de lado. Mas isso é passageiro. Isso está servindo pra acumular inspiração e em breve voltaremos com textos nossos.
Enquanto isso, leiam esse de Luly Mendonça.
Cheiros a quem é de cheiro,
Abraços a quem é de abraço,
Beijos a quem é de beijo.




Bem aos dentes - Luly Mendonça

Quando eu era pequena tinha uma mania nojenta, apesar de saber que eu não era única no mundo adepta do hábito: guardava meus chicletes mastigados na geladeira. Na verdade, começou porque a ironia da vida fazia minha avó me chamar pra almoçar bem na hora que eu tinha começado a mascar o chiclete. Poxa, como eu ia jogar fora o chiclete seminovo? Não tinha coragem de desperdiçá-lo, e sem ela saber, colocava a meleca mastigada escondidinha no congelador pra continuar meu prazer após a refeição. Depois de um tempo, virou hábito. Ainda que eu estivesse há 20 minutos com o chiclete sendo jogado de um lado pro outro na boca, sem sabor, eu tacava a goma na geladeira. Não sem antes dar uma melecada generosa no pote de açúcar. O fato é que depois de um tempo, percebi que isso não adiantava muito não. O gosto doce acabava em questão de poucos minutos. Segundos, às vezes.
Durante muito tempo guardei amores na geladeira. Achava que se os colocasse lá no congelador, poderia recuperar o tal açúcar que faltava. Mastiguei demais o amor, joguei-o de um lado pro outro, céu da boca, por debaixo da língua até enjoar, tentei cuspi-lo, mas era bom tê-lo ali. Um dia decidi tirar da boca e deixar na geladeira por um mês. Quando retirei, lá estava: doce como antes. Talvez não exatamente o mesmo gosto de quando abri o pacote, mas dava pra sentir o açúcar. Só que, como todo chiclete mastigado, ele perdia o gosto rapidamente. E voltávamos ao mastigar insípido.
O problema é que sempre fui viciada em chicletes. E não aceitava jogá-lo fora assim, tão rápido, por qualquer coisa. Insistia em recuperar o sabor. Também nunca consegui comer vários chicletes ao mesmo tempo, ficar de boca cheia. Depois da primeira decepção da minha vida, decidi que não dava mais pra pôr nada no freezer. Às vezes, as coisas estragam mesmo e é melhor não ir contra o ritmo natural das coisas. A porrada me fez perder a pena de depositar o chiclete sem gosto no lixo. Na verdade, fui perdendo a paciência de esperar o gosto voltar no congelador, e já tinha aprendido que quase nunca volta como antes, além de acabar rápido demais. Joguei muito chiclete fora também, ainda doce, porque o gosto me enjoava. Criei algumas cáries. Depois aprendi a identificar o sabor que combinava com meu paladar, antes de abrir o pacote. O que é difícil. Experimentar é bom. Minha mãe sempre disse que muito doce faz mal. Mas, a gente nunca ouve. Acho que o problema é que me acostumei a estar sempre mascando. E quando via, lá estava eu desbravando um novo sabor de goma. Outra coisa que tive que aprender: doce tem hora.
Pra conseguir obedecer minha mãe e minha avó, levei muito castigo e palmada. Mas, assim aprendi que é bom pra gente maneirar na guloseima. Faz bem pra saúde e pros dentes. Não sabia mais viver sem amor, sem a sensação de estar apaixonada, e mesmo que algo me dissesse que aquilo era mais uma relação avassaladora e fugaz, eu me entregava como se fosse o último amor da minha vida. Um dia, precisei ficar só, recusei os doces. E quando isso aconteceu, descobri um novo tipo de paixão: por mim. Mamãe tinha razão. Fez bem à saúde e aos dentes. Aprender a ter-me como grande companhia, e não mais depositar felicidade ou dependência em ninguém que não seja em mim é a verdadeira autosuficiência.
Continuo mascando chiclete. Adoro. Mas tenho um sabor preferido, que demorei a encontrar. Também não masco à toa, principalmente antes de refeições. Aboli a técnica do congelador. Pra mim é tudo ou nada. Mastigo com cuidado, pra fazer o sabor esticar se valer a pena. Até porque, sabe-se desde criança: chiclete não foi feito para ser engolido. Que seja doce, enquanto dure.

Um comentário:

  1. eu fazia isso ( e achava q era somente eu q fazia), me repudiei por tanto tempo depois q crssci ahahahaha, pq eu lembrava dos meus chicletes sem gosto guardados no freezer da geladeira velha de minha mae.
    <3

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